quinta-feira, 27 de maio de 2010

TALENTO BRASILEIRO CONQUISTANDO ESPAÇO

m Limoeiro do Norte, no interior do Ceará, onde as carroças ainda disputam espaço com motos e bicicletas nas ruas, todos conhecem José Edilbenes Bezerra, de 36 anos, como "aquele que desenha". Desde os 18, quando deixou de fazer bicos em uma fábrica de filtros e de trabalhar como-servente de pedreiro, ele passa até onze horas por dia, incluindo sábados e domingos, sentado numa escrivaninha com o lápis em punho. Mesmo sem entender inglês nem nunca ter saído do país, Edilbenes é contratado exclusivo da poderosa DC Comics, a segunda maior editora de quadrinhos dos Estados Unidos, detentora de títulos como Batman e Superman. Os quadrinhos que desenha raramente chegam a uma das três bancas de Limoeiro, mas ele não se incomoda com isso. "Aqui todos sabem o que eu faço. VIra e mexe vem um garoto me mostrar uma ilustração e pedir dicas", diz Ed Benes, apelido pelo qual é conhecido no exterior. O cearense não é o único brasileiro do ramo a fazer sucesso nos Estados Unidos. O número de artistas nacionais que emprestam seus traços às editoras de quadrinhos americanas triplicou nos últimos quatro anos. Atualmente, outros 150 desenhistas e coloristas trabalham nesse mercado. A maioria faz 22 páginas por mês, o equivalente ao tamanho de uma edição. Como recebem de 50 a 500 dólares por página desenhada, sua renda mensal varia de 1 100 a 11 000 dólares.

Os desenhistas brasileiros são parte de uma indústria que movimenta anualmente, o com a venda de publicações, 330 milhões de dólares nos Estados Unidos. Neste ano, dos dez quadrinhos mais vendidos por mês, dois foram desenhados por artistas nacionais. O traço brasileiro não agrada só ao público: faz sucesso também entre os críticos. Em 2008, o gaúcho Rafael Grampá e os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bã, de São Paulo, venceram o Eisner Awards, premiação americana que é considerada "o Oscar dos quadrinhos". A equipe, que inclui dois outros desenhistas estrangeiros, ganhou com uma série de histórias sem balões em que os personagens são os próprios desenhistas. "Depois do prêmio. ficou muito mais fácil discutir novos projetos com as editoras", conta Moon. Hoje, ele e o irmão trabalham juntos em projetos para duas editoras internacionais.

O crescimento da participação de estrangeiros no mercado de quadrinhos americano (além dos brasileiros, também italianos e filipinos vêm ganhando espaço nele) deve-se principalmente à facilidade com que, graças à internet, as editoras identificam novos artistas e recebem deles os desenhos. Além disso, o preço de página de um iniciante estrangeiro é menor do que o de seu equivalente americano. “Enquanto um brasileiro que está começando cobra, no máximo, 75 dólares por página, um americano não trabalha por menos que isso', diz Joseph Rybandt, editor da Dynamite Entertainment. "Claro que, quando eles ficam mais renomados, o salário acaba se igualando", diz.

As agências especializadas, que se encarregam de fazer a ligação entre artistas e editoras, são outro elemento facilitador na contratação de estrangeiros pelos americanos. Segunda Chris Allo, coordenador de talentos da Marvel Comics, grande parte dos desenhistas brasileiros não fala inglês e, portanto, não entende os roteiros originais das histórias que ilustra. As agências é que se encarregam de fazer a tradução. Ed Benes usa esse tipo de serviço. Mas, quando tem de se comunicar com o intermediário que vende originais de seus trabalhos a fãs nos Estados Unidos (ao preço de até 10 000 dólares cada desenho), recorre ao tradutor automático do Google. Mensalmente, ele recebe da DC Comics em torno de 8 000 dólares, descontados os 18% que ficam com a agência. O dinheiro o tornou um dos moradores mais ricos de sua cidade. Difícil é gastá-Ia, já que na pequena Limoeiro nem cinema tem. Para ver seus heróis na tela, o artista tem de viajar 200 quilômetros até Fortaleza.

Quando os primeiros desenhistas brasileiros começaram a ser contratados nos Estados Unidos, no fim da década de 80, os editores temeram que seus nomes soassem latinos demais para os ouvidos americanos. Ao sulmato-grossense Marcelo Campos, por exemplo, sugeriram que assinasse "Marc Fields". "Não gostei, mas acabei topando assinar como Marc Campos", diz. Um dos pioneiros do mercado, ele foi desenhista dos mutantes do X-Men e do Homem de Ferro, entre outros personagens. Hoje, Marc voltou a ser Marcelo e abriu uma escola de desenho em São Paulo, para ensinar garotos que aspiram um dia dar vida ao Superman ou mostrar uma batalha entre o Homem-Aranha e o Duende Verde na TImes Square - ainda que nunca tenham estado lá, como Ed Benes. Há algum tempo, o artista cearense foi convidado pela DC Comics para participar de uma convenção de quadrinhos em San Diego, na Califórnia. "Tudo pago, mas eu não quis ir. Nem passaporte eu tenho, e daria muito trabalho para tirar." Ed chegou a morar em São Paulo, mas não gostou da experiência. "Lá é um desassossego só. Não quero sair daqui, não." Nem precisa. De Limoeiro do Norte, seus desenhos já dão a volta ao mundo.

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