quinta-feira, 17 de junho de 2010

AS NOVAS AVENTURAS DE ALICE

Não surpreende que Alice no País das Maravilhas seja uma das histórias prediletas de Tim Burton, o diretor de Edward Mãos de Tesoura e A Fantástica Fábrica de Chocolate: Burton construiu toda uma carreira sobre as dores e frustrações causadas pelos sentimentos de inadequação - os de seus personagens e também os seus. Inadequação é sem dúvida um sentimento que a personagem principal da história de Lewis Carroll desfruta: Alice não consegue ficar à vontade nem no mundo que tem de habitar, nem no mundo criado por sua imaginação.

A nova adaptação do livro não decepciona nos efeitos visuais. A imaginação visual de Burton, sua maior assinatura e melhor recomendação, atinge aqui um pico febril. Cada cena é uma explosão de cores, mas elas freqüentemente adquirem tons góticos. O diretor se preocupou com cada pequeno detalhe que está em tela, que pode ser evidenciado, por exemplo, na precisa caracterização de cada personagem do longa.

Apesar disso, os fãs do livro notaram que alguns personagens foram adulterados sem que se identifique uma boa razão para tal: a Rainha de Copas, por exemplo, mantém sua personalidade, mas é chamada aqui de Rainha Vermelha, uma personagem bem diferente e que só existe em Através do Espelho, a seqüência de País das Maravilhas publicada em 1871. O motivo parece ser a necessidade de contrapô-Ia à meiga Rainha Branca, que no filme é sua irmã e rival - Vermelha (Helena Bonham Carter) usurpou o trono de Branca (Anne Hathaway), e Alice é quem vai ter de comandar as forças do bem em uma guerra para derrubar a tirana e seus asseclas maléficos. Forças do bem? Guerra? A certa altura, Alice no País das Maravilhas, ícone da literatura em favor do humor perturbado e sem sentido promulgado em uma era que se inebriara do racionalismo, sai de vez do seu curso e vira uma fantasia medieval com batalhas, espadas e armaduras. Vira, enfim, uma tentativa desanimada, sem alma nem convicção de emular sucessos da fantasia como O Senhor dos Anéis (em alguns momentos parece que Burton praticamente copiou uma seqüência inteira de “O Retorno do Rei”) e de animar o público em torno de um protagonista incumbido de uma missão messiânica.
 
Se há dois sintomas claros de que esta Alice passou por um processo de desnaturação, porém, eles estão, primeiro, na figura triste em que o originalmente insolente Chapeleiro Maluco se transformou: quando Johnny Depp está em cena, o filme transpira o que de fato gostaria de ser – mais uma história em que Depp assume o lugar de alter ego trágico do diretor. Ainda assim, é impossível não destacar o seu talento – Johnny Depp está mais uma vez espetacular, mostrando impressionante desenvoltura para personagens ímpares.

O segundo e mais grave sintoma está na alteração ostensiva da protagonista, de uma menina de 10 anos para uma jovem de 19, indignada com a idéia de ter de se casar com um aristocrata tolo. O diretor e a roteirista Linda Woolverton se jogam em uma outra armadilha: transformam enredo em uma história de superação e de celebração do Girl Power. Talvez por isso, a atriz Mia Wasikowska, que interpreta Alice, foi bastante criticada. No entanto, ela tem-se mostrado uma atriz de bom senso inato, capaz de fazer sempre a escolha mais sólida em cada situação em que é lançada. É provável que fosse uma excelente Alice - se algo de Alice houvesse restado nesta versão ao mesmo tempo tão maravilhosa e, ao mesmo tempo, tão tímida de Tím Burton.

Entretanto, quem robou a cena neste filme foi Helena Bonham Carter, divertidíssima como a carismática Rainha Vermelha, cuja tirania é justificada por sua carência afetiva. A cabeçuda rainha vermelha não estava apenas presente, mas tornou-se responsável por quase todas as cenas marcantessno filme, desde os momentos cômicos até os momentos decisivos na obra.

O elenco também conta com Anne Hathaway (“Idas e Vindas do Amor”), que aparece um pouco artificial, mas também agrada.

Apesar dos pontos fracos, Alice no País das Maravilhas é um bom filme, produzido por ótimos profissionais e vale a pena assistir.

Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010)
Gênero: Fantasia
Duração: 108min
Origem: EUA
Estréia: EUA - 5 de março de 2010
Estréia: Brasil - 23 de abril de 2010
Estúdio: Walt Disney Pictures
Direção: Tim Burton
Roteiro: Linda Woolverton

Elenco
Mia Wasikowska (Alice Kingsley)
Johnny Depp (Chapeleiro Louco)
Matt Lucas (Tweedle-Dee e Tweedle-Dum)
Anne Hathaway (Rainha Branca)
Helena Bonham Carter (Rainha Vermelha)
Crispin Glover (Valete de Copas)

Nenhum comentário:

Postar um comentário