quarta-feira, 30 de junho de 2010

ROBIN HOOD: A HISTÓRIA E O MITO

Num bosque particular junto à mansão Kirklees, em Dewsbury, no condado britânico de Yorkshire, os visitantes deparam com um monumento alquebrado: protegida por um cercadinho de ferro, a lápide contém um epitáfio de causar taquicardia nos interessados:


"Aqui, sob esta pedra,
Jaz Robert, barão de Huntingtun
Nenhum arqueiro foi tão bom quanto ele
Chamavam-no de Robin Hood
Fora da lei como ele e seus homens
A Inglaterra jamais verá outra vez"

A fama do bandido benfeitor prospera desde meados do século 14, a partir de poemas, baladas e contos. Robin promovia uma campanha de roubos espetaculares a viajantes na floresta de Sherwood, em Nottingham (no condado vizinho a Yorkshire), e repartia o butim com os mais pobres, desafiando a autoridade do príncipe e depois rei João I (um dos mais controversos monarcas ingleses, que comandou a nação entre 1199 e 1216) e a do tirânico xerife local. Mas os turistas que fotografam o túmulo do arqueiro (gravado em inglês arcaico e datado de 1247) só podem estar certos de levar para casa o suvenir e uma suposição. A lápide foi erguida no século 18, baseada no marco construído no ponto onde teria caído a última flecha disparada pelo herói agonizante, vítima da traição da prima, madre superiora do antigo convento de Kirklees.

Mais de meio milênio após as primeiras citações conhecidas a seu nome, é inegável o fascínio que Robin Hood ainda provoca. Seja como metáfora para identificar medidas de redistribuição de renda (a exemplo da pretendida taxação sobre transações financeiras internacionais para abastecer países subdesenvolvidos, o imposto Robin Hood), seja para apelidar iniciativas de banditismo social, como a do hacker da Letônia que, em fevereiro, vazou informações sobre os valores dos bônus pagos a executivos de seu país.
Segundo o historiador James Clarke Holt, um dos maiores especialistas no medievo britânico, variações como "Robehod", "Hobehod", ou "Robert Hod, fugitivo" aparecem nos registros legais de algumas comunidades inglesas, em diferentes partes do país, já na primeira metade do século 13. Holt sustenta que isso indicaria o uso da figura para descrever comportamento criminal. Num desses registros, na documentação de Yorkshire referente a 1225/1226, Robert Hod é identificado como um inquilino do arcebispo de York, a quem devia dinheiro.

Na literatura, Robin foi citado inicialmente em 1377, no poema Piers Plowman, de William Langland. Trata-se de menção curta. Ele só vira protagonista na balada Robin Hood and the Monk ("Robin Hood e o monge"), de 1450, já com o xerife de Nottingham como rival imediato e ambientada em Sherwood. O primeiro registro impresso preservado data de 1475: a coleção de histórias The Adventures of Robyn Hode ("As aventuras de Robyn Hode"), que delineia seu comportamento heróico.

Nas antigas descrições, Robin aparece ora ao lado dos comparsas, ora sozinho na mata. Varia de comportamento e tática, alternando-se entre bandido cruel (capaz de decapitar os inimigos e exibir as cabeças como troféus) e astuto. Para Stephen Knight, historiador da Universidade de Cardiff, há sentido por trás dessas contradições. "Quando falamos em Robin Hood, não estamos nos referindo apenas a um homem, mas sim a mais de 600 anos de desenvolvimento de conceitos e sentimentos. Ele representa ideais utópicos de justiça e liberdade. É uma construção social, um mito. Inventado e reinventado ao longo dos séculos", diz o autor de Robin Hood: a Mythic Biography ("Robin Hood: uma biografia mítica"), As narrativas que pintam o arqueiro mais agressivo são resultado de um contexto social turbulento. A Inglaterra do século 14 é marcada pela devastação causada pela Peste Negra e pelo ônus da Guerra dos Cem anos contra a França. Havia ainda tensões internas devido ao crescente descontentamento com as condições de servidão feudal, o que resultaria na Revolta dos Camponeses (1381), principal insurreição inglesa. O estopim foi a criação de um novo imposto de 5 centavos de moeda por cabeça.

No século 16, porém, o perfil de Robin passa por uma espécie de suavização. Ele aparece nas crônicas como um nobre (barão) desterrado e renegado defendendo o poder de Ricardo Coração de Leão (que reinou entre 1189 e 1199) do usurpador príncipe João (quando seguiu para lutar na Terceira Cruzada, Ricardo deixou o irmão no comando de condados como Nottinghamshire). O arqueiro vira um bandido conservador - vítima dos abusos do xerife local e do príncipe, que lhe cassaram direitos -, que defendia a estrutura tradicional de poder. "A partir do século 17 surgem representações intercaladas e mesmo versões com um Robin pós-Reforma, inimigo da Igreja. O mais interessante é que ele se tornara um símbolo em momentos de opressão popular promovidos por reis absolutistas e nobres inescrupulosos ou resultado das agruras do capitalismo", afirma Knight.

A fama do arqueiro, inclusive, parece proporcional ao descontentamento do povo. Thomas Hahn, professor da Universidade de Rochester e um dos fundadores da Associação Internacional de Estudos sobre Robin Hood, insiste que a popularidade do personagem cresce no mesmo ritmo que a frustração da massa com a vida na sociedade capitalista. "O apelo de Robin Hood vem de desejos primários por justiça e igualdade. Embora tal utopia tenha origens na Idade Média, ela é ampla e profunda o suficiente para povoar a imaginação de indivíduos de todas as épocas e lugares. No geral, ela representa posições anti-hierárquicas. É uma fantasia baseada no escapismo", diz Hahn.

Estudiosos encontram fontes de inspiração para o arqueiro nas histórias de alguns fora da lei e figuras históricas como William Wallace, herói escocês, ex-proprietário de terras que seria um dos líderes da 1° Guerra de Independência (1296-1328). Há comparações desde o século 15. "São semelhanças fabulosas. Wallace e Robin, por exemplo, vestem-se de mulher para escapar dos inimigos numa de suas aventuras. Ambos roubavam e matavam nas estradas e lutavam contra o imperialismo inglês. Uma pista está na idealização de Robin como alguém disposto a brigar contra um rei usurpador, atrás de unidade nacional, o que tem muito mais a ver com a realidade medieval escocesa que a inglesa", diz Knight.

Em busca do Robin de carne e osso, historiadores também questionaram as faces do mito. No ano passado, o acadêmico australiano Julian Luxford contestou o bom-mocismo do arqueiro. Examinando um volume do Polychronichon (uma enciclopédia de história e teologia com origens no século 14), ele deparou com anotações de rodapé feitas por um monge católico sugerindo que o fora da lei e seu bando não eram queridos entre os pobres e oprimidos. Até porque também seriam suas vítimas, não apenas os ricos. "Em vez de citar o herói revolucionário que conhecemos, a inscrição fala em como um fora da lei chamado Robin Hood infestava Sherwood e outras áreas da Inglaterra [há quem diga que ele agia também na floresta de Barnsdale] com seus asseclas. Trata-se da primeira referência histórica real livre de folclore. A literatura original a respeito dele não tem menções sobre roubar dos ricos para dar aos pobres, fala de um ladrão trabalhando em causa própria", diz Luxford.

A escassez de lastro histórico dá espaço a teses como a do historiador John Paul Davis. Ele acaba de publicar um livro sustentando que Sherwood foi escolhida por Robin e seu bando como morada porque eles seriam templários. Viviam escondidos para se proteger da determinação papal de exterminar os membros da ordem de cavalheiros que caíra em desgraça depois de se transformar numa poderosa organização militar. Os templários foram dissolvidos no início do século 14 e o então monarca inglês, Eduardo Il, não costumava perseguí-los como os colegas do continente. Para Davis, o arqueiro era mais sofisticado que um bandido comum. "A perseguição aos templários fez com que milhares de homens se transformassem em fugitivos da noite para o dia. Conformavam-se em viver nos bosques da Inglaterra e, lá, mantinham o senso de organização militar e de orientação para o bem dos cavalheiros", diz o historiador.

"O simples fato de ainda haver estudos sobre Robin é mais relevante que a discussão sobre o que é falso ou verdadeiro. Os nomes dele e do rei Arthur são os únicos de existência histórica não-comprovada que estão no dicionário biográfico da Universidade de Oxford", afirma Luxford. Para Stephen Knight, a autenticidade está justamente na dúvida: "Ele não precisa ter sido de carne e osso. Sua sobrevivência como construção cultural que resistiu por séculos lhe garante existência. Nesse sentido, Robin Hood vive".

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