segunda-feira, 17 de maio de 2010

ENTREVISTA COM LAÍS BODANZKY

Laís Bodanzky é formada em cinema pela FAAP e estreou na direção em 1994 com o curta-metragem "Cartão Vermelho", sobre uma menina que vive entre moleques e descobre a sexualidade. Além de vários prêmios nacionais, foi selecionado para o New York Film Festival de 1995.

Em 2000 cumpriu a promessa que havia feito aos 26 anos - lançar seu primeiro longa-metragem ao completar três décadas de vida - e dirigiu o premiadíssimo longa "Bicho de Sete Cabeças" (48 prêmios no Brasil e exterior). Laís dirigiu também, em parceria com o marido Luiz Bolognesi, o documentário "Cine Mambembe", o cinema descobre o Brasil, baseado no projeto da dupla de exibição itinerante de filmes brasileiros para pessoas que não têm acesso às salas de cinema.

A partir de 2004 o projeto se transformou em uma sala de cinema itinerante com estrutura de primeiro mundo e passou a se chamar Cine Tela Brasil. O projeto já circulou por 98 municípios dos estados de São Paulo, do Rio de Janeiro e Paraná, apresentando filmes nacionais infantis e para adultos a mais de 230 mil espectadores.
Em 2007, idealizou as Oficinas de Vídeo Tela Brasil, que têm como objetivo oferecer ferramentas de criação e expressão através do audiovisual às comunidades de baixa renda. Sua formação também vem do teatro: Laís trabalhou com Antunes Filho em 1989. Em 2005 dirigiu a peça "Essa Nova Juventude" (duas indicações para o prêmio Shell: ator e cenografia).

Abaixo você vê uma entrevista em que Laís Bodanzky fala sobre seu último trabalho, o longa As Melhores Coisas do Mundo.

Como surgiu o convite para fazer um filme como As Melhores Coisas do Mundo?
A história desse projeto é muito interessante. Ele veio a convite da Gullane e da Warner Bros., e com ele, carta branca para executá-lo como quisesse. Foi um convite muito tentador, mas também provocativo, pois tínhamos, ali, que emprestar a nossa maneira de ver o mundo. O filme tem um formato diferente dos meus outros dois trabalhos “Bicho de Sete Cabeças” e “Chega de Saudade”.

Como se deu a escolha dos atores jovens para a trama? E, o trabalho para sua preparação?
O elenco principal, secundário e figuração, foram selecionados entre 2500 jovens estudantes em fase escolar. Se tornaram atores vivendo pela primeira a experiência da atuação neste filme. A escolha gradativa do elenco nos deu mais segurança. O processo de seleção já era uma semi preparação para os atores. Os testes já eram bem focados. Quando começamos de fato a preparação de elenco, não começamos do zero.

Como foram esses testes?
Partimos da idéia que não deveríamos explicar quem eram os personagens. Quando se dá apenas algumas informações e situações chaves ao ator, ele é capaz de fazer o jogo sem a caricatura. Quando você delimita o personagem, a pessoa quer mostrar tanto seu conhecimento sobre ele, que acaba caindo na teatralidade. Sem perceberem, eles se apropriaram muito bem dos personagens.

Como é a sua relação de diretora com o trabalho do ator?
Gosto de trabalhar com atores que de uma forma contribuam, que sejam co-autores. Mas, essa demanda precisa ser oferecida por eles. É um pingue-pongue. É muito bom quando você vê um ator argumentando, refletindo sobre o universo da personagem. No caso de “As Melhores Coisas do Mundo”, naturalmente, existe o conhecimento de mundo da vida deles (dos jovens). Os personagens se assemelham à vida real. Esses jovens tinham muito mais intimidade com o tema do que eu. Falavam com muita propriedade. Brinco que nesse filme eu tinha consultoria online.

O que a convenceu a dirigir um filme como “As Melhores Coisas do Mundo”?
O universo adolescente não é retratado no cinema brasileiro. Quando é retratado é de maneira caricatural. E, esse, é um público ávido por informação. Esse recorte me encantou. Falar do adolescente e para eles. Ou seja, usando a linguagem deles. Falar com sinceridade sem ser de cima para baixo.

Como foi a pesquisa de campo para a construção do roteiro de “As Melhores...”?
Foram realizados grupos de pesquisas em diferentes colégios de São Paulo, num total de sete instituições. Cada escola tinha um critério, entre as perguntas que fazíamos estavam como deveríamos falar e como não devemos fazer um filme que retratasse a sua realidade. Essas conversas eram muito íntimas. Eu mesma até chorei. Fiquei emocionada ao ver que o adolescente quando percebe um espaço em que pode falar, desabafa. E a gente até se assusta. Ele se entrega mesmo. Eram sempre conversas fortes. Através dessas conversas consegui levantar pontos comuns entre eles. E, um deles é que o adolescente fica mais tempo na escola do que na sua casa. Eles faziam questão de dizer que a família são seus amigos, aqueles com quem você convive. Queríamos trazer isso para o filme. Por isso, o universo da escola não podia ficar fora do filme.

Gostaria que você comentasse sobre os eixos escolhidos para tratar no filme, como a questão da ética e cidadania.
Em “As Melhores Coisa do Mundo” não precisamos forçar a barra quanto aos assuntos que foram trazidos à trama. Esses jovens falam de cidadania e ética sem perceber no seu dia a dia. No universo da casa, com a família os adolescentes funcionam como verdadeiras esponjas. Ouve comentários e acaba digerindo e volta para o mundo da forma como ele mesmo entendeu, não quisemos dar um tom didático.


Gostaria que você comentasse sobre uma das cenas mais sensíveis do filme, o momento em que a personagem Camila quebra os ovos...
Não sei se vou ter a sorte de fazer uma cena como essa novamente. Tão simples e ao mesmo tempo tão complexa. É uma cena que costumo dizer que é agridoce, você ri e chora ao mesmo tempo. Confesso que tinha medo dessa cena por ter um tom melodramático. Mas, durante a leitura do roteiro, a cena dos ovos era a que se destacava entre os adolescentes. A cena não foi ensaiada. No dia da filmagem, conversamos melhor sobre ela para darmos uma coerência para a ação. E, então, pontuei: primeiro um ovo cai e esse ovo que cai sem querer acaba sendo a gota d'água. O menino, como observador, transforma aquela gota d'água da mãe numa brincadeira, porque ele tem leveza pra isso.

Como foi trabalhar com atriz Denise Fraga e atores novatos como Francisco Miguez e Fiuk?
A Denise veio com muito desejo de interpretar a Camila, pois ela também é mãe. Entendeu muito bem o Francisco com o seu “abacaxi” de ter que carregar o filme nas costas, por ser o protagonista. A Denise deixou o Francisco chegar. Teve muita classe e muita humildade para que ele se sentisse à vontade. O Francisco é um menino muito reservado. Já o Fiuk é mais expansivo. Mais caloroso, se jogou de cabeça na figura de Pedro. O interessante é que a personalidade antagônica de ambos dá a configuração necessária para interpretarem irmãos. Fiuk tem carinho pelo seu personagem Pedro. Ele sofre com suas angústias. Desde o primeiro momento vi que estava de frente de um ator maduro. Ele conseguia compreender a dor do personagem. É um ator que consegue se dividir entre ser o personagem e ao mesmo tempo estar deslocado, com um olhar crítico e ultra consciente do trabalho que está exercendo.

Como trabalhar assuntos tabus, resultados de uma sensibilidade intensificada e que, na maioria das vezes, é levada às últimas consequências como no caso do personagem Pedro (interpretado por Fiuk)?
A questão do viver intensamente é algo que toca a humanidade. Com o passar do tempo, o resultado desse sentimento pôde ser identificado diante de experiências como a de um amor utópico, ou de uma dor muito forte. É algo que aflora principalmente na fase da adolescência. Resolvi trazer, então, esse sentimento para o filme e mostrá-lo com pode ser levado às últimas conseqüências. Queria que ele fosse visto através do universo familiar. Como no caso de Pedro, em que os pais não conseguem reconhecer o momento difícil pelo qual o filho está passando.

Como foi trabalhar com atores como Paulo Vilhena e Caio Blat?
Convidei o Paulo Vilhena para fazer o papel do professor de violão de Mano, Marcelo. Ele disse pra mim: “Não toco nada, mas imito perfeitamente!”. Mesmo não sendo músico, o Paulo tem aquele ar de sabedoria de mestre, que no surfe também aparece. E esse é um universo que para ele lhe é familiar. Todo adolescente tem seu mestre. Um tio, um irmão mais velho, um cantor. Eu sempre quis trabalhar com Caio. Seu papel do professor Artur não é a de um sedutor pela beleza, mas sim pela fala, pelo seu engajamento e forma de se colocar.

Qual foi sua experiência com a equipe que trouxe para “As Melhores Coisas do Mundo”?
O Daniel Rezende (responsável pela montagem do filme) foi um parceiro importante nesse trabalho. Descobri também um amigo. Conseguimos amadurecer mais rápido o filme com sua montagem paralela. Foi através dela, que pudemos descobrir falhas e filmar complementos de cenas. O Cássio Amarante como diretor de arte foi também uma figura chave para o processo. O Sérgio Penna que, com sua maneira descontraída com os jovens fez com que cada um buscasse sua forma para interpretar o personagem. Seu trabalho também foi responsável pelo amadurecimento desses atores.

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