sexta-feira, 14 de maio de 2010

O BUSTO PROIBIDO (Carlos Drummond de Andrade)

Emoção na praia. Alguém braceja entre as ondas, desesperadamente. O salva-vidas, de costas para o mar, nem te ligo.

_ O senhor não vai salvara vida daquele desgraçado, que está morrendo?

_ Calma, tudo a seu tempo. Ordens são ordens. Primeiro tenho que salvar o pudor público, detendo aquela senhorita ali, que está com as maminhas de fora.

Mas a senhorita, se estava com as ditas ao sol, recolheu- as imediatamente, ou seria miragem do deserto? O salva-vidas esfregou os olhos, encarou o busto primaveril, que absolutamente não oferecia pasto completo à gulodice visual, e não pôde fazer nada.

_ Os cavalheiros que se acham nas proximidades não viram por acaso esta senhorita atentar contra a moral?

_ Não senhor.

_ Eu não vi.

_ Nem eu.

_ Corta essa, aqui somos todos partidários da moral e do Mobral, e ninguém viu nada.

_ É a tal história. Mandam a gente exercer fiscalização severina sobre o vestuário das moças, quer dizer, sobre a falta de vestuário, e não sei o que é que vou fazer para mostrar serviço. Tá tudo legal. A senhorita me desculpe.

- De nada.

A essa altura; que foi feito do afogado? S não esperou, azar dele. A ronda continua, pela praia. Essa enterrou-se totalmente na areia, só a cabeça aparece, e desperta suspeita. Ou não? Pelas dúvidas, convém sindicar:

_ A senhorita quer ter a bondade de sair para fora da areia?

_ Ah seu salva, estou tão bem aqui.

_ Acredito, mas o delegado ...

_ O delegado proibiu a gente de se esconder na areia?

_ Que eu saiba, ainda não. Mas estou vendo o seu soutien do lado de fora, com o bronzeador e outras coisas, e saquei as minhas conclusões.

_ E daí? Dentro da cova de areia posso até ficar pelada cem por cento, ninguém tem nada com isso.

_ É, mas e na hora de sair da areia?

_ Aí o senhor me prende, antes não. Eu estou decentemente vestida de areia, não estou?

_ E se um gaiato passar por aqui e levar o seu soutien, como é que a senhorita se arranja para sair da praia?

_ O senhor me prende, uai. Problema seu. Agora, já imaginou o grilo que vai dar o senhor me levando para o Distrito nessas condições?

_ Mineira, hem? O pessoal em Minas está ficando muito pra frente.

_ Faz-se o possível. Mas vocês, no Rio, não colaboram, inventam cada uma.

_ Por mim, não. Também sou mineiro e com muita honra, viu? Mas é a tal de ordem superior, sabe como é? Mineiro é vidrado em mar, isso influiu na escolha de minha profissão. Até, se eu pudesse, não estava aqui de salva-vidas e salva-nâo-sei-o-quê. Estava dando uma de banhista, simplesmente.

_ Legal. Eu sabia que você não ia me prender por uma bobagem dessas.

- Bem, eu ...

_ Mineiro tem que ser solidário também no monoquíni, entende?

_ Falou. Então, na hora de sair, me avise .

_ Pra quê? Vai bancar o voyeur?

_ Sei lá o que é isso. Pra fazer a cobertura, dar proteção, impedir que a turma entusiasmada arranque até a parte de baixo ...

_ Não precisa, meu chapa. Eu estou de duas peças, sabe? Botei do lado de fora esse soutien de reserva, não foi pra perturbar, é porque uma onda mais velhaca pode deixar a gente como Eva é servida, e eu sou mineira, mineiro acorda prevenido pra tudo!

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